Sinopse
Na cidade de Curropio, Maria das Dores entra para o serviço no Casarão Moura e encontra uma casa que respira segredos: batidas sob o chão, olhos na penumbra, um doutor recluso e hábitos manchados de vermelho. Enquanto escreve em seu diário e caminha por corredores frios e portas trancadas, proteção e cárcere se confundem. A Face Oculta é um conto gótico, onde a fronteira entre o real e o impossível se dissolve.
Trecho
"Escrevo
estas palavras à luz do sol da manhã, como se a claridade do mundo pudesse
proteger minha sanidade, ou talvez, dissolver a lembrança do que me aconteceu
esta noite.
Não
sei se era madrugada alta ou se o tempo se curvou de algum modo enquanto eu
dormia, mas lembro-me de despertar com o coração batendo devagar demais, como
se meu corpo estivesse num estado entre o sono e a vigília. A noite estava
pesada, sem vento, e meu quarto era uma escuridão espessa como breu, exceto
pela lâmina de luar que entrava pela fresta da cortina entreaberta.
E foi ali, naquele fio de luz, que os vi.
Dois olhos.
Parados. Fixos. Ardendo na penumbra com um
brilho que não era humano, tampouco animal, mas algo entre. Como se uma fera
houvesse tomado os modos de uma pessoa, ou uma pessoa houvesse esquecido como
piscar.
Permaneci imóvel. Cada músculo do meu
corpo estava dominado por uma força que me impedia de gritar ou de fugir. Era
como se algo maior, algo invisível e antigo, me mantivesse presa àquela cama,
me obrigando a encarar aquela criatura, se é que posso chamá-la assim.
Ela respirava no escuro, arfando devagar,
como um predador paciente. Farejava como um cão selvagem, puxando o ar pelas
narinas com fome contida, como se tentasse identificar em mim algo que nem eu
mesma conheço.
O tempo se estendeu. Não ouso dizer
quantas horas se passaram, ou se aquilo durou apenas minutos. Só sei que fiquei
ali, olhos nos olhos, em um duelo mudo que corroía minha alma."
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